top of page
Buscar
Igor Fagner (filmagem/edição)

Um lar de esperança


Por Josy Silva

Entrevista com Cléa Almeida, coordenadora do projeto Casa Rebeca, voltado para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social na cidade de Jacobina/BA

 

No Brasil, vivem mais de 200 milhões de pessoas, das quais 5,7mi têm menos de 18 anos de idade, segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio - PNAD 2013. Reconhecido pela histórica exclusão social, nosso país está entre os dez primeiros mais desiguais do mundo, de acordo com o relatório A Distância Que Nos Une, expedido pela ONG britânica Oxfam.

Entre os milhares à margem da sociedade, as maiores vítimas são crianças e adolescentes. A fim de garantir os direitos básicos dessa parcela da população, uma série de leis estabelece regras para a proteção da infância e adolescência. Depois da Constituição de 1988, a maior referência é a Lei nº 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) -, em vigor desde 1990.

Conforme o art. 4 do ECA, é dever da família, comunidade, sociedade em geral e do poder público prezar e assegurar os direitos referentes "à vida, saúde, alimentação, educação, ao esporte, lazer, à profissionalização, cultura, dignidade, ao respeito, à liberdade, convivência familiar e comunitária". Porém a teoria nem sempre condiz com a realidade...

Indicadores divulgados pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) em parceria com a organização internacional Save the Children, divulgados em junho de 2015 por meio do documento Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, denunciam a escassez de vagas em creches, o alto índice de abandono escolar no ensino médio, o trabalho infantil, a falta de atenção com a taxa de mortalidade materna, saneamento básico e acesso à rede de água por parte das crianças, bem como as mortes por homicídio de brasileiros na faixa etária de 0 a 19 anos.

Diante do cenário descrito, visualizamos os riscos pelos quais nossas crianças e adolescentes têm passado, seja nos grandes centros, no interior dos estados ou no campo. Em Jacobina, município localizado na região centro-norte da Bahia, polo econômico do Território Piemonte da Diamantina, diversos são os desafios nesse âmbito. No entanto, a cidade conta com organizações não governamentais voltadas para essa causa, com destaque para a Casa Rebeca, com quase 20 anos de existência.

Verdadeiro lar de esperança para o público infanto-juvenil em situação de vulnerabilidade social, o espaço é a segunda casa de meninos e meninas da Bananeira, bairro periférico reconhecido, recentemente, como quilombo urbano. É sobre a trajetória desta Casa e da sua principal idealizadora, Cléa Almeida, militante da causa infanto-juvenil há quase 30 anos, que iremos nos debruçar a partir de entrevista concedida à equipe Educolaborar.

EE: Quem é Cléa?

CA: É uma senhora: eu! Nascida lá em Várzea do Poço, na Bahia. Uma sonhadora.

EE: Como surgiu a vontade de atuar em projetos sociais no contexto da criança e do adolescente?

CA: Essa vontade surge da minha realidade. A minha infância, adolescência e juventude foram uma inquietude pela justiça, principalmente voltada para esse público.

EE: Como e quando nasceu a Casa Rebeca? Qual a origem do nome?

CA: A Casa Rebeca nasceu quando eu vim morar em Jacobina. Na verdade, é fruto do projeto social chamado no início de Pastoral do Menor, que realizava círculos de cultura e trabalho com os meninos na rua. Ela aconteceu a partir de um desejo de fazer com que outros bairros da cidade pudessem também acolher crianças e adolescentes. A origem do nome Rebeca surgiu por causa de uma criança que morava na Serrinha e faleceu por desnutrição.

EE: Quais atividades a Casa desenvolve e sob que metodologia?

CA: Nós temos a ideologia de ajudar a recuperar vidas, oferecer perspectiva para as crianças e os adolescentes, que necessitam de um comportamento com consciência crítica e cidadã dentro de uma sociedade que às vezes exclui tanto. Dentro do projeto nós vivenciamos a espiritualidade de Jesus Cristo, que eu acredito que é a nossa "mola" principal de existência durante todo esse tempo. Estamos, neste ano, com bastante dificuldade para realizar as atividades. Mas, nos anos anteriores, tivemos aulas de capoeira, futebol, teatro, dança afro, reforço escolar, e há três anos começamos outra atividade que funciona à noite: o projeto Campeões de Matemática.

EE: Qual a situação das crianças e dos adolescentes atendidos pelo projeto?

CA: Nós temos diversas situações... Temos as crianças que passam necessidade de diversas formas, por exemplo, para ter um aconselhamento, uma orientação a respeito do estudo delas, da própria vida. Crianças que são carentes de alimento, de amor, de perspectiva e que os pais não oferecem nenhuma motivação para permanência na escola. Além desse público, temos também crianças e adolescentes que vão para o projeto por causa da relação de afeto que existe na Casa. A gente acompanha nosso público quando eles estão na rua, na escola e no seu ambiente familiar.

EE: Como se mantém (financeiramente) o projeto?

CA: Através de doações voluntárias. Ou seja, doações que chegam do povo. E de algumas instituições, mas não são doações fixas. Não é um projeto financeiramente organizado. Ele sobrevive com as contribuições financeiras que chegam periodicamente.

EE: Quais os principais desafios da iniciativa hoje?

CA: Trabalhar com as famílias, na prevenção e recuperação, mostrando para as entidades, especialmente para o poder público, a Justiça, qual é realmente o caminho que precisa ser percorrido para ajudar esses meninos e meninas que estão numa vulnerabilidade muito grande e que acabam entrando no vício das drogas.

EE: Quais são as conquistas ao longo dos anos?

CA: As conquistas não são muitas, mas nos fazem acreditar que é possível dar continuidade. Nós temos jovens que antes não tinham nenhuma perspectiva e hoje estão ingressando nas universidades. Outros que já se formaram, são educadores e tem um respeito muito grande pelo projeto, retornando depois de anos de vivências para dizer: “Graças a Deus esta casa foi referência na minha vida, foi o lugar em que aprendi a ser cidadão, zelando pela honestidade e integridade". Então é essa a gratificação do trabalho que a gente realiza com tanto sacrifício.

EE: Como é a rotina da Cléa na Casa Rebeca e quais são as pessoas que estão envolvidas com o projeto atualmente?

CA: Olha, é meio doido, viu? Meio complicado, porque como a gente acompanha essas crianças fora do espaço da Casa Rebeca, é muito difícil estar presente diariamente. Eu desempenho o papel de coordenação, porém, também faço outros serviços quando existe a necessidade. O projeto anda sem mim, mas os envolvidos no desempenho do trabalho sempre me consultam na hora de resolver algum problema ou tomar decisões, mesmo na minha ausência. Isso demonstra a confiança e o cuidado com o projeto. Graças a Deus nós contamos com o apoio dos voluntários, que são, em geral, educadores, graduandos da Uneb e membros das famílias. Alguns recebem uma mínima gratificação ofertada pelo Padre José, nosso orientador espiritual, que nos apoia em todas as situações e nos motiva a continuar com o trabalho. O padre também busca levantar recursos financeiros para o projeto sobreviver, embora seja muito difícil, porque ele tem muitas demandas sociais na cidade e não consegue doações para atender a todas.

EE: E como ocorre a articulação com as escolas locais e os demais órgãos dos poderes públicos? Há entraves nesse diálogo?

CA: O projeto tenta fazer a diferença e estar em parceria, principalmente, com a escola e a creche do bairro. Nosso projeto é também educativo. A Casa Rebeca precisa da escola: existem momentos que a gente solicita a liberação dos alunos e o apoio dos professores. Nos últimos anos isso já está bem mais acessível, no início era mais complicado.

EE: O que a Casa Rebeca mudou em sua vida?

CA: Eu sei que todos nós precisamos ser sinal de luz em uma sociedade tão capitalista e egoísta. A Casa Rebeca me faz ser diferente. Hoje eu sei que o amor recupera vidas, transforma as pessoas. Então, quando a gente sabe oferecer para os meninos o amor e a perspectiva, eles conseguem ser diferentes. Mesmo que não se transformem, não mudem, acredito que a partir da vivência oportunizada pela Casa ficarão marcas em suas vidas e, em algum momento, eles vão lembrar que alguém tentou oferecer um abraço, um carinho, uma motivação.

EE: Como as pessoas podem contribuir com o projeto e que mensagem deixa aos leitores?

CA: A Casa Rebeca fica localizada na Travessa Paulo Dantas, no bairro Bananeira. O apelo que eu faço é: não vamos utilizar as imagens das crianças para se autopromover; vamos acompanhar, conhecer, abraçar de perto, porque, quando você doa por amor, não precisa fazer propaganda, colocar nos jornais, nas mídias sociais. O projeto precisa ser um retorno de amor à sociedade, porque o amor constrói vidas. Essa é a minha mensagem. Agradeço a Deus por me permitir ter chegado até aqui e às pessoas envolvidas nesse processo. Sem elas não existiria mais Casa Rebeca há muito tempo! É uma história muito bonita e eu sonho que um dia, em algum lugar, nascerão meninos e meninas que tenham vontade de continuar com essa missão, de reconstruir a vida a partir do amor.

 

500 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page